Relato de Andressa Godoi para o Grupo Nascer

 

“Parto é assim, ou você ama ou você odeia”. Ouvi esta frase no 4º ano da Faculdade de Medicina, quando estava em uma sala de parto com alguns colegas, prestes a acompanhar o primeiro parto da minha vida. Mas nem imaginava o que estava por vir nos próximos momentos. Estávamos nós ali, com a gestante em uma sala grande e gelada de uma tarde de inverno. Ela estava deitada de barriga para cima com os pés apoiados naqueles apoios da cama obstétrica que, qualquer mulher que já tenha realizado o tradicional exame de papanicolau sabe que, além de desconfortável, te deixa totalmente insegura parecendo que irá escorregar e cair a qualquer momento. Bem, ela estava ali.

 

A frieza assustadora

Não havia qualquer familiar por perto, ela estava recebendo ocitocina em um acesso venoso para acelerar o trabalho de parto e parecia estar tendo dores insuportáveis enquanto fazia força a cada contração. O médico gritou: “Você quer matar o seu filho? Então faça força direito”. Ela estava calada. Parecia exausta. Tentava esgotar todas as suas forças para não prejudicar o bebê. O médico achou que não era suficiente. Pediu para que uma auxiliar de enfermagem subisse na escada ao lado da maca da paciente e apertasse a barriga para ajudar a “empurrar” o bebê. “Isso não está mais descrito nos livros, mas nessas condições nós temos que fazer”, disse ele fazendo gestos de uma barriga avantajada para justificar sua conduta. Estávamos todos imóveis, aguardando e olhando atentamente todos os detalhes. Quando começamos a ver a cabecinha do bebê já aparecendo, um novo susto para nós, que não conseguimos segurar as exclamações: um corte na musculatura da pelve, para “facilitar” a saída do bebê e para que a mãe não ficasse com a “bexiga caída” mais para frente.

Novamente ouço a frase “Parto é assim, ou você ama ou odeia”. Na hora me veio a dúvida: como posso ter odiado um momento tão bonito como a chegada de um bebê ao mundo? Fiquei com aquilo na cabeça, com as frases indelicadas do médico, com a hostilidade do ambiente e dos profissionais, com o sofrimento daquela mãe que estava ali, em um dos principais momentos de sua vida, desamparada fisicamente e emocionalmente, sem ninguém para segurar na sua mão, confortar seu coração ou lhe transmitir coragem.  Mesmo sendo seu segundo filho e ela já tendo passado por tudo aquilo antes, seu rosto de angústia e de medo não passou despercebido. E, me colocando no lugar dela, como mulher e como profissional, percebi que definitivamente eu “não gostava de parto”.

 

Inquietação: não, as coisas não podem ser assim

Depois disso, por obrigações curriculares tive que acompanhar muito partos: cesáreas, partos gemelares, partos normais e complicados. Percebi que faltava alguma coisa que os médicos e enfermeiros não podiam dar. E aqui, por favor, não me levem a mal: tive professores obstetras exemplares, compromissados com o bem estar não só do feto, mas também da mãe, e com um grande amor pelo próximo. Mas, ainda assim, faltava alguma coisa.

Me formei e decidi me especializar em Clínica Médica. Assim conheci meu marido. Quando engravidei, conversando com ele sobre meu desejo de não ter um parto cesárea, porém também de não ter um parto catastrófico como aquele que acompanhara outrora, ele comentou que durante a formação dele era de praxe que as grávidas fizessem exercícios em bolas de pilates, caminhassem, tomassem banho para o alívio das dores do parto. Achei que era este o caminho de parto que eu queria.

Pesquisei sobre parto humanizado. Tinha uma colega de faculdade que tinha feito parto em casa na banheira. Mas ainda não era bem isso. Li algumas coisas sobre doula e seu papel no parto e, embora não entendesse ao certo sua função, além dos exercícios para alívio da dor, decidi que precisava de uma.

 

A escolha do médico

Procurei então, após muitas recomendações de amigos, uma médica experiente que gostava de fazer parto normal. Na 2ª consulta, quando consegui perguntar os detalhes de como seria o momento do parto em si, comentei que gostaria de uma doula. Ela não se posicionou incisivamente contra, mas disse educadamente que eu não precisaria de mais ninguém visto que ela estaria na sala de parto o tempo inteiro e que uma doula seria mais uma pessoa para dar palpite e ficar me olhando naquele momento íntimo, pois a sala de parto era pequena e já estaria com meu marido e uma circulante lá dentro… Lembrei de todas as pessoas de confiança que haviam me recomendado essa médica: professora universitária, bem quista por seus alunos e renomada pelos seus diversos anos de prática. Pensei, pensei e não entendi – o papel dela não seria o mesmo da Doula. Na minha visão o papel de uma deveria complementar o papel da outra.

 

A troca de médico: alívio e acolhimento

Com 32 semanas de gestação, após pesquisas na internet, resolvi mudar de médica e consegui uma consulta de encaixe com uma que fazia o “famoso” parto humanizado: Dra. Juliana Chalupe. Ela me recebeu muito bem. Conversamos sobre muitos pontos: minha história de vida, o que eu esperava para o parto, o estágio da gestação, casos de necessidade de cesárea, etc. Que alívio que tive ao sair dessa consulta: estava me sentindo acolhida, acreditando que o parto poderia, sim, ser um momento bom e ocorrer de forma natural e que, se eu quisesse, a doula seria uma pessoa para agregar mais tranquilidade e segurança a este momento tão delicado.

A Dra. Juliana foi sempre muito solícita e compreensiva ao me atender nos dias que eu conseguia vir de Ponta Grossa para Curitiba, e isso me deu muita segurança. Inclusive, tive um episódio de suspeita de bolsa rota na 34ª semana, em que corri para ela me avaliar e ela me deu todas instruções de forma muito clara, mas ao mesmo tempo me deixou segura de que mesmo que confirmasse a bolsa rota, tudo ocorreria da melhor forma possível. Graças a Deus não era!

 

O papel fundamental da Doula

Conversei uma vez com a minha Doula, Paty Teixeira (digo minha, pois considero que um pedacinho dela ficou comigo após aquele dia) sobre seu trabalho e sua organização e combinei de sentar para planejarmos o parto nas minhas próximas vindas para Curitiba.

 

Por questões do destino, e por pressa da Bea de querer chegar exatamente 2 dias após termos nos mudado de apartamento, com 37 semanas, no dia do parto tive a oportunidade de ser atendida pela Dra. Camile Motta, que estava cobrindo a Dra. Juliana naquele dia. Havia tido apenas um contato com ela, mas só pela confiança que havia estabelecido com a Dra. Juliana neste curto período que se passou, tinha certeza de que ela não deixaria alguém muito diferente dela em seu lugar.

 

Devido a essa pequena antecipação do bebê, acabou que a conversa de planejamento pré-parto com a doula não foi possível. Mas também não fez falta para mim. Quando estava pegando estrada sentido Curitiba, já com a bolsa rota e o início das contrações (claro, após ter passado por avaliação médica que me liberou para viajar), liguei para a Paty às 5h30 e ela prontamente me atendeu. Expliquei a situação e ela me tranquilizou, dando dicas de respiração, concentração e explicando sobre os tempos do parto. E, no final, ela disse “quando você chegar ao hospital eu vou estar lá.” Ao avistá-la, às 7h, na recepção da maternidade, comecei a entender melhor qual era seu papel.

Ela me explicou tudo que iria acontecer a partir dali, entrou em contato com a médica assistente, passou as informações enquanto eu tinha as contrações. Meu marido corria atrás dos papéis infinitos do convênio. E ainda deu tempo de planejarmos algumas coisas para o parto. Entramos no centro obstétrico pouco depois das 8h.

 

“Ela pode comer? Sim, é um trabalho de parto!”

Dra. Camile já estava lá, me esperando (afinal, eu a acordei pouco antes das 6h). Me fez algumas perguntas e fomos para a sala de parto. Me perguntou se eu estava em jejum. Eu disse que havia comido uma banana antes de viajar. Ela estava preocupada se eu ficaria com fome e eu, com o quanto de energia que ainda gastaria, afinal o trabalho estava só começando. Dentro das minhas restrições alimentares, pensamos que um suco seria uma boa opção.

A enfermeira responsável pelo setor entrou duas vezes na sala de parto confirmando se a Dra. Camile tinha “certeza mesmo” que eu poderia comer alguma coisa. Ela disse: “sim, é um trabalho de parto.” Ahhh aquilo foi como música para meus ouvidos! Outra coisa que eu jamais entendera na medicina era o motivo do jejum nesta hora, já que se trata de algo tão natural do ser humano e demais mamíferos.  Tomei todo o suco em menos de 2 minutos.

 

Me senti a protagonista do parto

A cada contração que vinha, a Paty me ajudava a respirar fundo e segurar até passar. Eu perguntava para ela: “Paty, o que é melhor fazer agora?”. Ela, sorrindo, delicadamente me respondia: “Veja o que o seu corpo está querendo, o parto é seu, quem sabe o que é melhor é você”. Assim, de uma maneira muito suave e descontraída, porém com toda atenção e responsabilidade que aquele momento exigia, ela foi me propondo experimentar algumas posições, movimentos na bola, banho no chuveiro, até eu descobrir o que fazia mais efeito.

Quando a contração passava, me ajudava a ganhar fôlego para a próxima que já estava vindo. A Dra. Camile ficou o tempo inteiro ao meu lado, acompanhando tudo junto com meu marido, pacientemente – tenho certeza que ela nem almoçou naquele dia. Me explicou que a protagonista daquele parto era eu mesma, e que ela estava ali para complementar. Só no momento em que as contrações estavam realmente insuportáveis, tanto pela intensidade quanto pela frequência, é que ela precisou me examinar para checar como estava a dilatação.

Pude receber a analgesia no momento em que realmente não aguentava mais as contrações. Sim, com 8cm de dilatação, não dava tempo de respirar entre uma contração e outra. Chegou o momento em que eu gritei para chamarem o Dr. Francisco (anestesista) e implorei por uma dipirona endovenosa enquanto aguardava por ele, como se isso fosse capaz de aliviar as dores. Como disse a Dra. Camile, nesta hora, eu já estava com a cabeça na partolândia. Como pudera imaginar que uma simples dipirona pudesse fazer efeito naquela hora? Todos demos risada. Feita a anestesia, tudo ficou tranquilo de novo.

 

Beatriz chegou, cercada de amor e respeito

Entre risadas, conversas e contrações, passaram-se quase 7 horas até a chegada da nossa bebê. O período expulsivo, que eu imaginava ser a pior parte, foi a mais fantástica de todas. Tive a Bea deitada confortavelmente de lado, que para mim foi a melhor posição.

A sala estava tranquila, à meia luz, todos concentrados. Meu marido segurava minha mão, a médica já estava a postos para segurar o bebê e a doula à minha direita me dando força física e mental, me encorajando a tirar forças de onde eu nem imaginava ter e orientando o momento certo de usá-la.  Assim, aguardamos até ouvir o chorinho que confirmava a chegada da nossa pequena Beatriz.

Pude segurá-la em meus braços ainda antes de cortar o cordão umbilical. Vi, bem de pertinho, seus olhinhos escuros tentando abrir para me enxergar e seu chorinho cessar enquanto tentava mamar pela primeira vez. Também o seu primeiro “biquinho”, enquanto posávamos para a foto.

As palavras são poucas para explicar a grandeza daquele momento!

 

E hoje?

Após viver toda essa experiência, hoje posso dizer que eu mudei do grupo que “não gosta de parto” para o que “gosta”. É incrível acreditar como um momento de sofrimento físico, emocional e mental como o trabalho de parto pode se transformar em tranquilidade quando se tem uma equipe que luta por um objetivo maior, que não se importa com o quanto de tempo vai gastar ou com o que está deixando de fazer (como almoçar por exemplo), pensando simplesmente no bem estar do próximo, da mamãe e do bebê!

O trabalho de parto é por si só imprevisível, e é preciso aceitarmos que nem sempre as coisas podem ser exatamente como sonhamos. Mas, sempre que vejo uma gestante desejo, do fundo do meu coração, que ela também tenha a oportunidade de ser assistida, acompanhada e respeitada com o mesmo carinho que eu fui. Assim, mesmo as situações mais difíceis podem ser enfrentadas pela família de forma suave e mais leve para todos.

Seremos eternamente gratos pelas lembranças deste dia: Dra. Camile Motta, Paty Doula, Dra. Juliana Chalupe, Dr. Francisco (anestesista), Dr. Petrini (pediatra), equipe CD Álbum produções e nossa família, que estava na torcida do lado de fora…

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